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Enganos do EGO
Publicado em: 11 de outubro de 2007, 14:09:02 - Lido 3448 vez(es)
Sei que o conceito de EGO é confuso, especialmente para quem pensa que é algo a ser "matado". Vou tentar, na medida do possível, desenhar:
Há equívocos na tradução do sânscrito, e muitas generalizações sem base psicológica. O que espiritualistas em geral chamam de "ego" (sem perguntar porque o chamam assim) não é o "ego". O que você vê criticado nos textos do Osho não é "ego". Egoismo não é "ego". Neurose e excesso de materialismo não é "ego". O que as metáforas hindus pedem para que neguemos não é o "ego". Egocentrismo doentio também não é o mesmo que "ego". Porções do eu que se identificadas com a neurose, desejos excessivos ou materialismo não são "ego". Usar a mente não "é ego". E, definitivamente, contrariar a visão de uma religião, ousar questionar ou fazer filosofia prática não é "estar cheio de ego", embora seja SIM o ego (saudável) que permita o questionamento.
Numa visão pós-junguiana, o ego revela-se como um *complexo* com alto grau de continuidade; não é um arquétipo, não é um defeito, não é uma psicopatologia, não é um diabo, não é um obsessor, não é uma "mentira da mente qeu mente". O ego é a amálgama de conteúdos que nos faz ter a sensação de que quem acordo ou hoje na nossa cama é, PROVAVELMENTE (não há certeza), o mesmo "ente" que lembramos de ter dormido ontem no que parece ser o mesmo lugar. E é esse ego que, só surgindo após termos nos aculturado (criancinhas não tem, psicóticos também não - mas ambos podem ter "personalidade" e egoismo), garante a nós também a possibilidade de vida social, de experiências do consciente, indispensáveis para "existirmos" e evoluirmos aqui, enquanto estamos aqui, por precisarmos estarmos aqui.
No sânscrito, há vários termos associados a EU, individualidade, personalidade, partícula divina do consciente, assim como esquimós tem 34 palavras para neve. Talvez por psicanálise era novidade, ou por ser chique citar latim, na falta de uma palavra vários tradutores ocidentais usaram EGO para designar várias facetas do mesmo EU, pasteurizando DEZENAS de termos (muito) diferentes, de ahankara a atman, incluindo aí as porções menores do eu que patologicamente se identifiquem demais com desejos e neuroses - com a ressalva de que a normalidade ocidental nos EXIGE um pouco mais dessa identificação do que o contexto de um antigo hindu, que aqui seria visto como psicótico.
Mas podem estar certos que nenhum yogue antigo leu escreveu em latim, nem tentou ser psicanalista: o equívoco é recente e ocidental!!! E muitos "mestres" espiritualistas e líderes religiosos usam o tempo como uma espécie de "diabo cristão", ou seja, um amontoado indefinido por conveniência, onde reunem TUDO que querem que seja pecado, incluindo todos que os questionarem, quem usar a mente para pensar, os dissidentes, o que não endosse seus dogmas, todas as práticas que eles proibiram, todos desejos que queriam ver exterminados, todo "pecado". Tudo isso, para estes "condutores" paranóicos, virou sinônimo de "EGO". É exatamente a idéia do "DIABO" cristão medieval.
EGO, o verdadeiro, precisa ser TRANSCENDIDO, e não negado ou "Morto". Transcender implica em INCLUIR. Você tem ego, tem continuidade, vive aqui, tem desejos e prazeres sim; mas você usa tudo isso, ao invés de ser usado por ele. Você não abre mão da sua capacidade de decisão, ao contrário: você a mantém, consciente, e até a ELEVA para uma visão maior, a de fora, a do Self, do Eu Maior. Do "divino" integrado, se preferir. A esse processo, de manter o ego mas deslocar a sede da consciência dele para o Self, é que JUng chamou de individuação.
Se sobrarem dúvidas no conceito original de EGO (que não é o dos hindus), nada como ler a definição original. Mas isso na internet parece pejorativo ou ofensa, rs, pois com embasamento, acaba a diversão.
Para a definição ORIGINAL do conceito de EGO:
O EGO, O ID E OUTROS TRABALHOS
http://livros.voadores.com.br/freud/freud19
OBS: Já Jung (que conhecia bem a filosofia oriental) em geral prefere falar de "EU", "SELF" (um eu maior, em contato com o coletivo e/ou divino) e "PERSONA" (máscaras que muitas vezes confudimos com o eu), dependendo do caso. Sábia decisão, senão a confusão com "EGO" seria maior ainda.
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