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>> Colunistas > Pesadelos do Além, por Ricardo Kelmer Publicado em: 27 de agosto de 2008, 07:56:51 - Lido 6446 vez(es) PESADELOS DO ALÉM Por Ricardo Kelmer
Nada pode ser mais aterrorizante pra um escritor que a seguinte situação: dia do lançamento de seu novíssimo livro, ele sentado numa mesinha, o lugar todo preparado, a pilha de livros em espiral, o fotógrafo ao lado pra registrar as presenças ilustres… e ninguém aparece. Putz, que horror!!
Acabo de descobrir, porém, que existe um pesadelo bem pior. Não, não falo desses textos com falsa autoria que analfabetos literários repassam aí pela internet, matando o escritor de vergonha por ver que milhares de pessoas acham mesmo que ele escreveu aquele texto horroroso. Isso é de lascar mas nesse caso pelo menos podemos ir à tevê e nos defender.
O pior pesadelo prum escritor é ser psicografado. Ou melhor: ser mal psicografado. Putz, me dá uma fininha de nervoso só de imaginar essa possibilidade… Não acredito em Deus mas se um troço desse me acontecer, depois de morto, é claro, juro que entrarei com um processo contra ele por permitir uma barbaridade dessa. Espíritos, reencarnação, psicografias, todo mundo é livre pra acreditar no que quiser, até em promessa de político. Mas não deviam mexer com quem não comunga da mesma crença, e tão mais se a pessoa já bateu as botas.
Foi dia desses. Alguém me enviou uma letra musical que teria sido escrita por John Lennon depois de morto. A letra era tão cheia de beatitudes e bem-aventuranças, uma pieguice espiritual tão grande, que das duas uma: ou John de repente virara coroinha ou então onde ele estava só rolava fumo da pior espécie. Putz! Só alguém que não conhece porra nenhuma de John Lennon poderia supor que aquela coisa horrenda seria obra dele. Poisbem. Depois desse dia o alerta vermelho foi acionado na Central RK e percebi a gravidade da situação: e se eu morresse e alguém psicografasse uma crônica minha que falasse de seres de luz, irmãos trevosos, jardins celestiais e coizitais? Argh!!!
Uma mania horrorosa, a desse povo, de converter a gente depois que a gente morre - eu, heim! Magali, por exemplo. Além de atéia, Magali sempre foi uma escrota de marca maior e nunca nem botou os pés numa igreja. Aí um dia Magali morre e uma semana depois, no centro espírita, recebem uma mensagem dela: Queridos paizinhos, amada irmãzinha, que a graça de Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo ilumine vossos corações e… Como é? Amada irmãzinha?! Mas um dia antes de morrer ela queria decapitar a irmã e jogar a cabeça no lixão! Vossos corações?! Mas a safada não tinha nem primeiro grau completo! Então ela, além de se converter e virar santa assim que morreu, ainda fez um supletivo de português? Não, isso é demais.
Imagino que nesse ponto do texto haja algum espírita indignado comigo. Paciência. Particularmente, pra mim faz sentido que após a morte haja algum tipo de continuação da vida ou que, após morrer, o cidadão desperte e entenda que tudo foi uma viagem de LSD mucho loca, sei lá. Mas psicografia? Bem, isso até poderia ser interessante caso a vida pós-morte fosse bem tediosa e a única diversão de um escritor como eu se resumisse a ditar contos de sacanagem pro meu público encarnado. Mas acho que ainda não existe centro espírita moderninho assim pra topar receber esse tipo de cartinha.
Então quero desde já deixar claro, claríssimo, que eu, Ricardo Kelmer, terráqueo nascido em 1964 na província de Fortaleza Desmiolada de Sol, atribuído da autoridade a mim concedida por eu ser eu mesmo, e de plena posse de minhas faculdades mentais, não, melhor tirar essa última parte, eu não autorizo ninguém, absolutamente ninguém, a psicografar, psicoaudializar ou canalizar ou receber seja como for quaisquer textos de minha autoria, na íntegra ou em parte. Heim? Não, nem mesmo se o texto for de sacanagem. Não dá pra abrir exceções pois não terei como criar um grupo de avaliação pra autenticação autoral. Ninguém tá autorizado e pronto. E quem disser que recebeu, meus representantes legais poderão processar o engraçadinho.
Ufa! Agora já posso partir em paz. Mas… e se um dia eu, lá dos cafundós do Além, sentir uma vontade danada de escrever um novo livro? Como farei se ninguém estará autorizado a psicografar? Não tem problema: escreverei o livro e darei um jeito de publicar no Além mesmo, não se preocupem, até porque por essa época certamente alguns leitores meus já estarão por lá. Mas novos leitores desencarnados serão sempre bem-vindos, claro! Afinal, já pensou eu, sentado na mesinha do Além, a pilha de livros toda linda em espiral, a equipe de tevê do CulturAlém a postos… e ninguém aparece? Que horror!
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