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Diferenças entre psiquiatria, psicologia e psicanálise
Publicado em: 02 de julho de 2009, 01:36:35  -  Lido 6721 vez(es)

Ao comentarmos sobre psicanálise e suas vertentes, muitos nos confessam a confundirem com outras correntes que lidam com psicoterapia e psicopatologia, em especial a prática usual da psicologia (em geral cognitivo-comportamental) e a psiquiatria.

 

Eu diria que hoje, na prática, PSICOLOGIA E PSICANÁLISE tendem a se distinguir e a se complementar.

 

A PSICOLOGIA tem se especializado cada vez mais nos processos CONSCIENTES (cognitivo-comportamentais, passíveis de estatísticas e métodos científicos).

A psicologia atua no terreno da objetividade, em causas e sintomas, sem necessariamente investigar padrões inconscientes, questões ocultas ou existenciais. Na sua prática (clínica), tem se aproximado mais da medicina. Atua junto aos diagnósticos médicos modificando crenças e comportamentos derivados como consequência, e assim mudando o quadro da queixa - ou seja, em geral age como solucionadora.

Um bom psicólogo cognitivo-comportamental em geral não se envolve com a historicidade e emotividade do paciente, não faz inferências e leituras subjetivas do que é relatado, e preocupa-se em fazer seu paciente se sentir melhor dos sintomas e queixas que o fizeram procurar a clínica - em geral, em poucas sessões.

Por fim, psicólogos muitas vezes aconselham seus pacientes, ou os ajudam a elaborar crenças mais corretas, ou que os afastem de uma determinada condição indesejada.

 

Já a psicanálise (em suas diversas variações, das mais ortodoxas às mais filosóficas ou transpessoais) tem se mantido mais na dimensão INCONSCIENTE (dinâmica, existência, tudo que NÃO É conhecido ou comprovável e que NÃO TEM causa “científica” conhecida ou reprodutível e que só pode ser lidado estruturalmente).

A psicanálise atua propositalmente no terreno da subjetividade. Na sua prática clínica, tem se aproximado mais da filosofia e do existencialismo do que das descrições sintomáticas que a sociedade arbitra como “doença” (a partir da comparação com uma suposta “normalidade”). Sua atuação resolutora das ditas "psicopatologias" se dá por mudança profunda de padrão do indivíduo, atuando nas causas - ou seja, a verdaderia psicanálise atua nas causas e em longo prazo, não traz promessas mágicas ou superficiais, nem tem necessariamente um compromisso “solucionador”. É, antes de tudo, problematizadora.

Um bom psicanalista tem um quê de filósofo e/ou sociólogo, e muitas vezes embute e estimula um senso crítico até mesmo em relação ao modelo social e à descrição cognitivo-comportamental do que viria a ser “saúde”, “doença” e “normalidade” dos catálogos médicos de CID e DSM.

Muitas vezes, um bom psicanalista vê seu cliente sair chorando e aparentemente "pior" da sessão, e vê nisso um êxito se faz o analisando contemplar pela primeira vez processos internos que, num nível mais profundo e subjetivo, o fizeram atrair inconscientemente os “problemas” que o fizeram vir à clínica. Neste sentido, submeter-se à psicanálise é um ato de coragem do paciente, que mais cedo ou mais tarde tende a perceber seus próprios processos de auto-sabotagem ou posturas internas bem menos éticas e leais do que a imagem que fazia de si próprio - e como essas posturas, refletidas nos demais, são responsáveis por padrões e insucessos.

Por fim, psicanalistas em tese não deveriam aconselhar ou dar as suas crenças para o paciente, nem JAMAIS fazer "julgamentos de valores” do processo psíquico apresentado. A função de um bom psicanalista não é "devolver" o indivíduo a uma suposta "normalidade" exigida pela sociedade e manuais de diagnóstico clínico, mas perceber a individualidade do ser, intervindo psicoterapeuticamente se o quadro provoca desconforto funcional para o queixante, ou mais frequentemente se portando - via técnicas - como um espelho e/ou tradutor das soluções que o próprio inconciente (ou self, na versão junguiana e winnicottiana) do analisando apresentar.

Inúmeras vezes, aliás, psicanalistas são surpreendidos pela criatividade da solução apresentada pelo inconsciente do analisando, em geral diferente das que tomariam ou sugeririam caso se baseassem em suas crenças ou valores pessoais. Nesse sentido, ao invés de "ensinar" ou "corrigir" crenças "adequadas" a um paciente - como seria o pressuposto de boa parte das técnicas cognitivo-comportamentais da psicologia - um verdadeiro psicanalista "aprende" com o paciente, de modo que as sessões modificam e fazem crescer, transferencialmente, os dois. 

 

Aliás, em psicanálise moderna e filosofia clínica, o termo PACIENTE ou CLIENTE sequer deveriam ser empregados, uma vez que contrariam os pressupostos da prática. É preferível dizer “analisando” ou “partilhante”, que refletem melhor a relação entre um psicanalista ou filósofo clínico e o sujeito que partilha sua vida e processos psíquicos na esperança de uma análise e tradução.

Outra diferença é que se a psicologia objetiva e científica (cognitivo-comportamental) trabalha, como já dito, com projeções das crenças e técnicas do terapeuta, isso implica em ela evitar a transferência e a formação de vínculos inconscientes entre analista e analisando. Já a psicanálise, ao contrário, só pode ocorrer a partir da transferência/contágio, isto é, do momento em que de algum modo as relações entre analista e analisando passam a refletir, no microcosmo do consultório, os processos inconscientes que o partilhante sempre reproduziu em sua vida fora da clínica. A mudança dessas relações TRANSFERENCIAIS em clínica faz com que o partilhante modifique também sua conduta/padrão fora dali. Não há psicanálise sem transferência, e o “amor” é a maior atitude transferencial que conhecems nas sociedade moderna. Todo amor é transferencial, e toda transferência clínica embute um mecanismo de complemento análogo ao do amor. De algum modo, em termos de mecanismos projetivos, podemos dizer que a psicanálise é, assim, a “cura pelo amor”. E isso evidentemente não tem nada de “científico”, o que não significa que não seja eficaz.

 

A psicanálise é uma formação complexa e autorregulamentada proposta por Freud e com muitas variações, a qual exige um curso superior (pode ser inclusive o de psicologia ou de medicina psiquiátrica, mas não só) e mais cursos e supervisões específicas posteriores, os quais podem durar anos. Ou seja, embora todos psiquiatras e psicólogos tenham estudado fundamentos da psicanálise em seus cursos de graduação, nem por isso são necessariamente psicanalistas, embora alguns deles tenham também essa especialização. 

Entretanto, mesmo que não seja um psicanalista, os psicólogos e psiquiatras estão aptos a clinicar em outras técnicas psicoterapeuticas - em geral as de cunho cognitivo-comportamental, mas também variações e simplificações acadêmicas adaptadas a partir da psicanálise, dentre elas a "Psicoterapia ou Psicodiagnóstico de Orientação Psicanalítica", que lhes é ensinada em classe em período de 1 ano (bastante inferior, portanto, à formação mínima em psicanálise).

 

http://bit.ly/17XSgo



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