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CONTO: Em coma com a enfermeira Rose
Publicado em: 04 de setembro de 2006, 16:47:49  -  Lido 2811 vez(es)

Em Coma com a Enfermeira Rose


Ah, Enfermeira Rose... Minha única alegria nesta solitária UTI... Que bom que você veio... Sabia que adoro quando você se curva para ajeitar os lençóis à minha volta? Sabe, se eu não estivesse em coma era só esticar um pouquinho o pescoço e eu poderia beijar esses seus lindos lábios... Aliás, enfermeira, se meu corpo não estivesse totalmente inerte eu poderia fazer muita coisa com você... inclusive mandá-la para a cadeia...

Mas o que você não sabe, cara Rose, é que na verdade não estou tão vegetativo quanto pareço... Minha mente está totalmente lúcida, e para ser sincero, nem está dentro desse corpo que você agora está lavando... Estou aqui, em pé, parado atrás de você, olhando você trabalhar...

Chamam a isto de projeção astral, um fenômeno no qual você sai do seu corpo físico, vestido num outro corpo, todinho feito de luz - uma coisa linda de se ver...

E a partir daí, querida Rose, o mundo é seu para ir onde quiser, enquanto seu corpo físico fica desabitado...

Para onde quiser, Rose... Aliás, saiba que por várias vezes fui atrás de você, em espírito, até sua casa... É... confesso que na esperança de vê-la num ambiente mais íntimo, mais à vontade ... Porém o que vi lá foi mais impressionante que isto, enfermeira... Pois o que vi, Rose querida - a primeira vez por acidente, depois por crescente curiosidade - foi você colocando veneno de rato no chazinho do seu maridinho, um pouquinho a cada dia... Sua rotina diária, enfermeira... Pegar um pedacinho de isca, dissolver na água do chá, adoçar bastante... Dia após dia...xícara após xícara...

Isso, passe o paninho úmido em minha face, passe... vá tirando o pó... Seu toque já me trouxe de volta ao velho corpo, estou aqui dentro outra vez.... Ah, queria apenas ver a cara que você faria, se pudesse ler meus pensamentos...

"Mas acontece que eu posso, Sr. C... Posso ouvir seus pensamentos tão claramente como se o senhor estivesse falando..."

Como? Que droga de interferência é essa na minha mente? Que voz é essa, agora? Não pode ser a enfermeira... Será que ainda por cima estou enlouquecendo???

"Não, Sr. C... Na verdade é minha voz que o senhor ouve, sim... Sou uma dessas pessoas que podem se comunicar mentalmente com os outros... Uma telepata, como dizem... E estou muito preocupada com as coisas que o senhor sabe a meu respeito, Sr. C..."

Claro, claro, Enfermeira Rose, telepatia... um belo dom, sem dúvida... Mas calma, por favor... Relaxe... Isto são apenas fantasias de minha mente doente... Não se esqueça de que mesmo que estas besteiras que eu vi... quer dizer, que eu imaginei... fossem verdade, a senhora estaria 100% segura, pois tudo isto são fatos, quer dizer, devaneios que só existem dentro de minha cabeça... e você sabe que não existem chances de que eu algum dia saia deste coma...

"Infelizmente não posso ficar tão segura assim, Sr. C... Apesar da sua situação, já imaginou se uma outra pessoa capaz de ler mentes resolve ver o que se passa dentro de sua cabeça? Impossível permitir, Sr. C... O mundo está cheio de telepatas... Sinto muito, mas não posso deixá-lo solto por aí... Na verdade, repare: até já desliguei o sistema que mantém sua temperatura estável... Desculpe, mas vai esfriar um pouco, Sr. C..."

Enfermeira Rose, Dona Rose, Dona Rosinha, por favor, ligue essa droga outra vez... Não posso morrer agora, estou meio enrolado numas questões de carma, sabe? Este coma é um jeitinho que um figurão do astral me arranjou, para resolver as coisas numa boa... Olhe, façamos o seguinte, prometo que...

"Boa noite, Sr. C... Estou apagando a luz, agora. Descanse em paz."



Bene, Junho 2005



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