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Sélficos e Xamãs
Publicado em: 04 de setembro de 2006, 15:47:23  -  Lido 5953 vez(es)



Outro dia a gente falou de ego e de Self, e de como o ego inflado tende a se
confundir e se identificar com o Self, quando na verdade estas são duas coisas
muito diferentes.

Quando nascemos, o Self é tudo que existe - é como uma partícula divina que
tivesse encarnado aqui na terra, trazendo consigo conhecimentos e poderes que
vão bem além de nós mesmos como simples 'personas'. Com o tempo, começamos a
desenvolver o ego, a parte que costumamos chamar de 'eu', e o Self fica oculto
em nosso inconsciente.

Quando o ego se identifica erroneamente com o Self, ou seja, quando acha que ele
próprio é o Self ou a divindade, dizemos que ele está inflado. Quando o ego
quebra a cara por causa disto (e então se afasta radicalmente do Self, cortando
quaisquer relações com ele), dizemos que ele se aliena. A coisa acontece em
ciclos intermináveis, e este ciclo de inflação-alienação é muito parecido com a
roda do sâmsara, onde o sujeito fica sujeito a reencarnar muitas vezes, por
falta de evolução ou por persistênca no erro.

Como estes dois estados extremos são negativos, a saída então é aprender a
separar bem as coisas, e manter um bom canal de comunicação entre o ego e o
Self. Aí sim, a coisa toda começa a fazer sentido e o ego pode realmente usar
todo o poder e sabedoria do Self, sem cair na armadilha da auto-divinização.

Bem parecido com aquilo que os xamãs chamam de 'segunda atenção', não é?

Um xamã atuando em 'segunda atenção' nada mais é do que alguém capaz de lidar
com e usar conscientemente forças e poderes situados em dimensões superiores de
si mesmo, ou até fora de si mesmo, pertencentes ao Poder (que é coletivo,
exatamente como o inconsciente arquetípico junguiano...)

Mas existem mais analogias entre o processo de individuação e o processo
xamânico.

Xamã, no sentido antropológico da coisa, quer dizer simplesmente "bruxo,
feiticeiro, homem de poder" , independente de raça, local ou condições sociais.

Ninguém precisa nascer índio, para virar xamã, nem ser junguiano, para se
individuar.

Agora, tanto um xamã quanto uma pessoa sélfica sabem que existe 'algo mais
vivendo conosco, na mesma casa', e que é uma grande ilusão achar que tudo que
existe em nós mesmos é produto de nossa própria criação e assimilação, e
limitado ao nosso próprio eu.

Sabem também que existem leis, por trás de tudo que é aparentemente casual. Para
o homem ligado ao Self, assim como para a criança e o primitivo, o acaso não
existe.

E aqui, conceitos xamânicos e junguianos começam a se misturar - sem discordar
em nada, um do outro...

A descrição junguiana transcrita abaixo dá uma boa idéia disto, e basta mudar
algumas nomenclaturas, para que o mesmo conceito possa ser aplicado a um caso e
outro:

"A individuação produz um estágio em que o ego mantém relações com o Self, sem
contudo estar identificado com ele. Tal estado permite um diálogo mais ou menos
contínuo entre ego e inconsciente... A pessoa começa a perceber que há algo
vivendo com ela, na mesma casa... E isto muitas vezes é pressagiado por
determinados tipos de sonhos, que põem o sonhador diante de acontecimentos
paradoxais ou miraculosos. Estes sonhos abrem uma categoria transpessoal de
experiência, que é incomum e estranha à consciência comum"...

"O homem comum necessita urgentemente restabelecer um contato significativo com
a camada primitiva da psique, voltando-se para o modo primitivo de experiência,
que vê a vida como um todo orgânico. Nos sonhos, a imagem de um animal, de um
ser primitivo ou de uma criança, normalmente é uma expressão simbólica da fonte
de ajuda e cura... Com freqüência, nos contos de fadas, é um animal que mostra
a saída de uma dificuldade, ao herói... Através do primitivo e da criança que
existe em nós, estabelecemos uma ligação com o Self e nos curamos do estado de
alienação..."

Trocando 'individuação' por 'impecabilidade', e trocando "Self" por 'Deus' ou
por "Poder", estas frases parecem saídas direto da boca de um xamã... E 'en
passant', como fica evidente no texto, qualquer semelhança entre os animais
conselheiros dos sonho e os animais de poder, não é mera coincidência...

E vejam se esta outra frase não descreve direitinho um satóri, ou uma
iluminação, nos termos zen-budistas ou yogues:

"Para o homem moderno, um encontro consciente com a psique arquetípica autônoma
equivale à descoberta de Deus. Depois de passar por esta experiência, ele já não
está sozinho em sua psique, e toda sua visão do mundo é alterada..."

Mas é bom notar que o texto diz também que embora seja correto usar modos
primitivos de experiência no nosso mundo interno, não seria correto aplicá-los
em nossas relações com o mundo externo.

Uma atitude primitiva em relação ao mundo externo seria sinônimo de superstição
e ignorância, mas ser 'primitivo' ou 'mágico' com relação ao mundo interno de
nossa psique é sinônimo de sabedoria...

Assim, ouvir a voz da intuição, abrir-se humildemente para que o Self deixe cair
algumas fichas ou levar a sério os sinais que a vida nos manda e 'recados' dados
em sonhos tem muito mais a ver com o Poder e com a Individuação, do que com
superstição...

Bene
--
Benedicto Cohen (Bene)
beneluxbr@yahoo.com.br


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