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>> Colunistas > Lázaro Freire Desconstrução 1/3 - Tudo é mito, mas... Publicado em: 12 de setembro de 2007, 13:25:05 - Lido 6492 vez(es) --- Em voadores, Leonardo D'Ippolito escreveu: > Não é claro pra mim até que ponto vale uma desconstrução sem freio. > Ou seja, você começa a anular totalmente as suas referências, na > busca da "verdade final", e perde o chão que você precisa ter para > dar o seu próximo passo. Se a realidade é como uma cebola, cheia de > níveis e "cascas", do que adianta a preocupação com a casca final, > mais externa? Não faria mais sentido nos preocuparmos com a casca > mais imediata? "Quebrar tudo" pode paralisar a pessoa, ao invés de > levá-la adiante. Oi, Leo. Muito legal a sua mensagem. Me lembrou as três citações do Wagner Borges à respeito: "Tudo é Maya (ilusão), mas se você bater sua cabeça de Maya numa parede de Maya, vai surgir um calo de Maya que doerá bastante." "Se o tempo é uma abstração relativa, tente explicar isso ao seu chefe no seu próximo atraso." "Tudo é ilusão, menos a pensão de minhas ex; o aluguel do meu apartamento e do IPPB." Você tem toda razão, a última camada da cebola será sempre o vazio - que não é de todo nulo, pois nele há Deus na essência. E descontruir apenas pelo vazio é sem sentido. Mas penso que ainda não é essa "a" questão da desconstrução. Tudo é mito. Mas o que interessa não é livrar-se de todos eles e desaparecer no vazio. Nem achar que era mais cômodo escolher um dos mitos, uma das camadas da cebola, e tomá-lo como o real. Até porque, Deus está tanto no vazio quanto na "ilusão". Fixar na ilusão seria esquecer o que a própria pessoa já experienciou em sua transcendência. E além do mais, a única coisa permanente no universo - ou no pensamento - é a mudança. O que nos convida a mudar e questionar, se queremos "evoluir". Se tudo é mito, se Deus habia os dois, a questão é saber como você vive, evolui e transcende o mito que escolheu. A visão católica, por exemplo, é um mito. Mas já foi a realidade final de muitos, até mesmo muitos daqui. Na falta da experiência direta de Deus, ou às vezes tentando explicar o incognoscível e indescritível, encontramos a melhor descrição possível, o melhor conjunto de crenças que nos serviu. Mito, e devemos muito a ele, excessos da igreja à parte. Mas quando o mito, a interface, não se adequa mais à nossa experiência e filosofia; quando as excessões à regra incomodam muito e o discernimento se faz necessário, é hora de saber abrir mão da segurança antiga, admitir não sabermos tudo em nossa crença, e adotarmos algo que explique melhor. Por exemplo, para muitos, o espiritismo cristão de Chico-FEB-Kardec. Que no fundo não é tão diferente do catolicismo assim. Entretanto, esse espiritismo também é mito, e faz o mesmo caminho do catolicismo: no começo se diz a nova revelação do próprio Deus, a que não veio destruir a Lei; depois arroga-se ser a verdade final do cosmos; depois tenta estabelecer seu caráter científico ou filosófico; mas no fim só sobrevive mesmo enquanto mais uma doutrina religiosa. O que, por definição (religião), nega tudo o que tentou ser antes (verdade final, revelação exclusiva, nova ciência, filosofia suprema). O mecanismo não está errado. É um mito, o verdadeiro, não a distorção pejorativa popular do termo. Mitos não são mentiras, talvez sejam a grande verdade que podemos ter, num mundo relativo. Mitos são a melhor história, moral, credos e explicações TEMPORÁRIAS que conseguimos contar para explicar um transcendente ou estrutural que dê sentido ao mundo, e sem o qual não faria sentido viver. Desconstruir mitos espíritas só nos levaria à nova verdade final do espiritualismo, que poderia também ser desconstruida por um modelo posterior. A verdade de hoje é o mito de amanhã, sempre foi assim - para quem não estagnou. O curioso é que a cebola não tem fim. Não é questão de condenar o "pensar" por nos tirar de um lugar para outro tão ilusório quanto o primeiro, porque deixar de pensar e evoluir tampouco transcenderia a ilusão, e talvez fomente a maior de todas as iliusões: levar-se a sério demais. A questão é: quem se sustenta por si, sem seu mito? Há quem se confunda com a máscara que precisou usar. Tudo é muleta, e é lícito que usemos uma. Ser usado por ela é que é outra coisa. Então, onde você estiver, sei que há três ilusões - a atual, a transcendida e o novo paradigma - e todas elas são pisos falsos: você terá que viver bem com isso, enquanto isso. Sem parar de evoluir. <<< continua >>> -- Lázaro Freire lazarofreire@voadores.com.br
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