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* Uma última palavra sobre meu primo Zé Rodrix
Publicado em: 22 de maio de 2009, 16:02:36  -  Lido 5325 vez(es)



(texto escrito de uma só vez - entre lágrimas, lembranças e sorrisos - na manhã da passagem de meu "primo" Zé Rodrix, assim que soube da notícia . Foi minha catarse - e homenagem - antes de conseguir ir para o velório ou falar com alguém)

 

"Enquanto o mundo perde a forma,
Eu me encontro em mim
E é assim que eu sempre vou seguir...
meu coração!!!"
(Zé Rodrix, em anúncio para a Chevrolet)

Eu era criança. Começo dos anos 70. No rádio cantavam "Uma casa no campo: onde eu possa guardar meus amigos, meus discos, meus livros... e nada mais". Menino urbano, filho único com poucos amigos, nunca esqueço: eu sempre pensava o quanto eram felizardos os amigos do autor daquela canção. Esqueci disso, aprendi a tocar e compor, peguei meus instrumentos, e fui para a estrada. Aos 17, tocava na BH dos anos 80 pós Tavitos e Clube da Esquina. Minha vida seguiu caminhos paralelos ao do primo Zé Rodrix, até as coincidências permitirem o (re)encontro transformador.

"Eu tinha apenas 17 anos 
No dia em que saí de casa
(E não fazem mais de 4 semanas que estou na estrada" )


PRIMO ZÉ TRINDADE

Não eramos primos de fato. Na verdade o Zé Rodrix (José Rodrigues Trindade) sempre me chamou de primo (Lázaro Luiz Trindade Freire) desde o primeiro dia em que fomos apresentados, por sermos ambos "Trindade" (sobrenome especial para ele, que é maçon), por sermos tecladistas, multi-instrumentistas, escritores, espiritualistas, e pelos interesses de pesquisa comuns e afinidades.

Esta "primandade" rendeu frutos. Já há algum tempo, pelo menos uma vez por ano, ministravamos algum curso gratuito sobre esses temas, para platéias de 250 pessoas (casa cheia) no IPPB (http://www.ippb.org.br). Felizmente, gravei algumas dessas nossas palestas em vídeo; mas não os de Jesus Histórico, tema que nos uniu. Recentemente ele levara um CD de meu projeto musical-ocultista Naviterra, que nas letras fala dos elementos ocultistas e conscienciais, combinavamos lançar. Ficou para depois, ou para o meu próprio esforço. Bem feito para mim, outra vez.

 

Meu "primo" era, como eu, interessados na psique humana. Não era psi, mas me contava sempre, orgulhoso, da sua filha que era, e discutíamos o enfoque clínico e o poder da palavra, a partir daí. Zé também era irônico, sarcástico, às vezes cruelmente desconstrutor; mas sem deixar de ser doce, humano e acessível, sempre que exigido assim. As listas em que as "coincidências" nos colocavam também falavam da afinidade: M-Música, Sintetizadores, Jesus Histórico, Ocultismo, Filosofia - e, mais recentemente, nosso amor comum por Donald Winnicott, Viktor Frankl e o sentido de existir. Não ouso me comparar em nada, mas é inegável que tinhamos coincidências demais, e se ele me via assim, e confio tanto em seu talento e juizo, devo aceitar a responsabilidade de ter algo de bom para repassar, também; pelo menos na falta dele. Afinal, era o próprio primo que me ensinou que "os deuses das coincidências prestam muita atenção a quem presta atenção neles".

 

Fomos descobrindo mais afinidades além do Jesus Histórico. Palestras e textos em temas ligados à Simbologia, Ocultismo, Magia Mental, Sonhos e Tarot. Não sei como ele conseguia conjugar tanta coisa, mas quando crescer, sempre disse, quero ser parecido com ele. Como não deu tempo dele me convidar para ser seu "irmão", e sobrinhos são os demolay, a afinidade enorme só podia fazer de mim um primo. Sempre nos tratamos e beijamos, mutua e fraternalmente, assim. Primo Lázaro, Primo Zé.

FOCO É PARA MEDÍOCRES

Num dia que MUDOU minha vida, após um desses cursos que ministramos sobre Jesus Histórico no IPPB, comiamos naquela barulhenta e deliciosa Esfiha Imigrantes: eu, Zé Rodrix, Olavo Borges e Adriana Splendore (da Rádio Mundial, que também trabalhou com o Zé e Cláudia Raia). Naquele dia, casa lotada, eu estava preocupado com o que seria o meu "foco" dentre tantas atividades distintas. O primo Zé, um generalista genial por definição, e que em muitos aspectos sempre foi um "pai" e exemplo para mim, fez um breve porém cirúrgico discurso a favor do generalismo inteligente que contrabalance e lance voz crítica a uma sociedade de especialistas medíocres. E me disse algo que JAMAIS esqueci, quase um pedido, um legado, que no dia soou para mim quase como uma daquelas frases que pais entregam para seus filhos no leito de morte:

"Primo, nunca se esqueça, esse discurso de 'foco' é para os medíocres. Nunca, nunca, nunca, mas nunca mesmo, permita que a mediocridade dos demais lhe roube NENHUM de seus talentos"

Poucos sabem, mas saí muito mexido daquela noite. Estava disposto a largar meus estudos de Jung, Psicanálise e Filosofia (hoje minha profissão), dedicar menos tempo à música, relegar a consciência crítica e estudos espiritualistas a um papel mais secundário e religioso, em favor de focar primeiro minha carreira de DBA e Eng de Software, constituir melhor algumas coisas materiais. E o Zé também me lembrou que, com a experiência, são os generalistas - como nós - que tinhamos a missão iniciática de proteger a vela da lucidez acesa em meio ao vendaval na escuridão. E que o dinheiro sempre seria apenas a consequência - inevitável, aliás - de qualquer trabalho bem planejado e bem realizado que NÃO o tivesse como motivação".

 

FUI LATINO AMERICANO, E VI QUE ERA ENGANO 

Zé era (é) um cara engraçado. Preocupado com a mediocridade descompromissada do brasileiro, certa vez resolveu satirizá-la. Infelizmente, ele se esqueceu de pedir ao @Cardoso aquele cartaz de #SarcasmModeON. Zé achou que seria queimado na fogueira ao ironizar a falta de comprometimento das pessoas, numa época (30 anos atrás) bem menos tolerante do que os já intolerantes tempos atuais. Tomou um grande susto. Em vez das pessoas ficarem ofendidas, infelizmente os brasileiros estavam TÃO imbuidos daquele espírito que ele critivava, que a música virou um... um... SUCESSO! Já demos risada dessa história, e de um povo ("povinho de merda", segundo ele, vide vídeo abaixo) que se orgulha (?) quando se identifica com o "laissez-faire, laissez passer" de:

"Chego sempre atrasado
Mas eu não corro perigo
Quem devia dar o exemplo
Chega atrasado comigo
E (ainda) diz:
Soy latino americano
E nunca me engano, e NUNCA me engano..."

... e sairam todos felizes, cantando sua própria decadência ética e moral. "Sim, sim, esse sou eu! Deixa a vida me levar, vida leva eu! É isso aí, Soy latino", risos. Como diria o Zé, mais tarde, sarcástico: "Cada um acredita naquilo que pode, quer e consegue! g.a.r.g.a.l.h.a.d.a.s"

Posteriormente, desiludido com a situação da América Latina, e com essa falta de consciência crônica, durante algum tempo o Zé deixou de cantar essa letra. Em shows trocava por "Fui latino americano, e vi que era engano, e vi que era engano". Mas depois, após o tempo necessário para a sabedoria dar cor de realidade aos nossos ideais, voltou a cantar e dançar a letra original. Se temos que conviver com um esqueleto em nosso armário, é melhor que o ensinemos logo a dançar.

Suas gracinhas e críticas ao senso comum continuaram até o último momento. No caso, uma crítica a esses tempos narcisistas, e suas personagens que tornam-se ridículas ao avançarem na idade tentando negar, esteticamente, a sabedoria trazida pelo envelhecer:

 

Boa noite, "Cinderela"
A sua cintura não é mais aquela
Eu acho que você exagerou na mortadela
Devolve o silicone que eu te dei:
Ele tá aí dentro que eu sei!
Os sapatos de cristal
Embrulhados num jornal
Rememoram uns passados
Com muito menos assados
E o vestido da festa
Tão embolorado, atesta
Que depois de tantos anos
Precisaria mais panos

As curvas dos teus quadris
Que um dia eu tanto quis
Depois de tanta cerveja
Hoje ninguém mais deseja
Tentar a lipoaspiração
Hoje não é mais solução
Até seus lábios carnudos
Ficaram reconchunchudos 

Boa noite, "Cinderela"
Devolve o silicone que eu te dei:
Ele tá aí dentro que eu sei!   :-)

 

UMA DOR CHAMADA ELIS

A morte de sua amiga Elis Regina, naquelas condições, foi um golpe que o "primo" jamais superou. Drogas, sentido, sucesso, dramas pessoais... O que estavam todos fazendo com suas vidas? Como usamos o tempo que nos resta no intuito de darmos um SENTIDO ao nosso existir?

Um dos maiores gênios compositores do país, alguém que teria marcado muito mais a MPB, naquele momento, simplesmente parou precocemente com os palcos, com todo e qualquer show seu, carreira solo, e tudo o que estivesse ligado a esse mundo de aparências. Não que tenha aposentado sua genialidade, ao contrário. Criou, dirigiu, escreveu, compôs, conscientizou, criticou... Não há quem não conheça seu studio no meio musical paulistano. Mas a carreira musical que levaria seu nome, não mais.

O que fazemos com o resto de nossas vidas, quando alguém com quem contavamos por muito tempo nos deixa precocemente? Elis não mais gravaria o Zé, é claro. Mas ele produziu sentido como nunca, a partir daí. Nunca mais houve um dia em que não acendesse nenhuma vela no coração de alguém.

Conversando no velório, entendemos que passamos pelo mesmo dilema. Ele não mais nos produzirá em um amanhã. Encerra-se aqui o projeto que eu e ele vinhamos esboçando - há tempo demais - de um livro comum sobre Jesus Histórico. Zé nos deixa essa pergunta incômoda - inúmeros talentos que descobriu, em várias áreas, de um certo modo acomodaram sob suas asas, deixando para o amanhã. Tenho a forte impressão de que ele, em algum lugar, está rindo e esfregando as mãos, iniciaticamente, ao ler comigo essas linhas. É a nossa vez de somarmos os fragmentos de talentos que ele depositou ou viu em cada um de nós, para vermos se, todos somados, podemos chegar pelo menos perto do que ele fazia sozinho, deixando sua luz brilhar por aqui um pouco mais.

 

"SPREMO" MUSICAL

Após o choque da morte da Elis, foram 20 anos de dor e amputação, traumática, consciente, até que seus irmãos Sá e Guarabira o convencessem a retomar o trio com maior sucesso de vendas em todas as lojas maçônicas do Brasil (rs). Já seu trabalho solo, ensaiou retornos, nunca com reconhecimento à altura de seu talento. Eu e o Dudu Burton (aqui da Voadores) tivemos a honra de estarmos presentes no pocket show jazzístico em que o Zé enfim anunciou seu retorno, nos porôes do Supremo Musical, da Oscar Freire. O local era tão pequeno, apertado e restrito que o Zé, sacana, ironizou dizendo que deveriam chamá-lo de "(e)Spremo" Musical. Não me lembro de já ter ouvido, na vida, um show tão bom. Jazz tocado com escovinha na bateria, baixo acústico e piano de calda. Jazz de alta qualidade, altíssima, tendo como ponto de partida as harmonias e letras como Mestre Jonas, Blues Riviera, Casa no Campo e demais. Com a catarse dos 20 anos de gozo acumulado, liberado entre amigos fiéis e queridos, em apenas 2 apresentaçõespouco mais que 25 pessoas por dia, desfilando 30 anos de carreira, de Som Imaginário a Sá, Rodrix e Guarabira, passando por Elis. Se alguém daqui esteve entre os 50 presentes, por favor me diga se estou exagerando ao incluir aquela entre uma das maiores genialidades que já vi a MPB produzir. E se alguém gravou, pelo amor de GADU, me mande uma cópia.

"Viver e ter sucesso é simples. Basta todos os dias você acender uma pequenina vela na câmera escura de seu coração. Ao encerrar sua vida inevitavelmente terá uma sala brilhante, iluminando a si e aos demais"
(Zé Rodrix, em curso de Magia Mental ministrado comigo no IPPB)

 

DVD 60 ANOS
No ano passado, eu e a @CamillaAvella atendemos ao chamado do primo Zé e descemos para Santos. Ele gostaria de gravar um DVD de comemoração dos seus 60 anos. Dessa vez, preferiu um formato Big Band, um jazz mais anos 30, com saxofonistas levantando e dançando. No camarim, abraçado a mim e à Camilla, ele comentava, feliz, suado, após pular muito, se vimos o pique que ele tinha aos 60 anos. (Camilla acaba de me ligar nesse momento, para me dar a notícia, que o Frank já havia me passado por torpedo beeem no comecinho da manhã). JAMAIS, JAMAIS, JAMAIS conseguiriamos imaginar que aquele que pulava e celebrava sua juventude nos deixaria menos de 1 ano depois. O show não foi para DVD, infelizmente, o Zé não gostou do material, perdemos o registro, talvez. Mas há fotos do show, bem como de um pocket show níver em que ele e Tavito fecharam um bar na 13 de Maio, em minha página principal do Orkut (Láz Freire). No fim de semana, pegarei alguns vídeos particulares meus do DVD jamais gravado e os colocarei no YouTube, como homenagem de despedida.

[OBS: Após a publicação desta mensagem, o cantor e compositor Sonekka  entrou em contato conosco, oferecendo as gravações, em seu poder, dos shows do Supremo e de Santos, acima citado. Obrigado, Sonekka, Zé e GADU!!! Sonekka também é conhecido como o jornalista do Portal EXAME Osmar Lazarini . Aproveite esta dica e o OUÇA, já que o Zé Rodrix, que sabia das coisas, sempre repetia que o Sonekka é o cantor-compositor mais talentoso  desta Nova&Futura MPB]

 

Quero contar um último caso em que o Zé foi parte marcante de minha vida, e indiretamente responsável (outra vez) por minhas decisões - e até relacionamento - atuais.

 

DIA DOS PAIS, 2006
Era um dia dos pais. Eu estava bem triste. Havia comentado com o Zé. Na época, fazia muito por uma família a quem eu amava, e faltava reciprocidade. Dois filhos, criados como meus, numa família repleta de adoções, onde os laços de afeto reais deveriam falar mais que os de sangue, indefiníveis. Mas além de esquecerem a "data", naquela manhã recebi uma série de agressões, injustas, simbólicas, de quem eu estava prestes a casar. Não vem ao caso os detalhes, exponho o mínimo apenas para contextualizar.

O fato é que o primo Zé, naquela tarde, faria um show com o trio (Sá, Rodrix & Guarabira) no SESC Itaquera (onde raios fica Itaquera?). Havia me convidado, eu não podia ir. Minha companheira - a mesma da injustiça - trabalharia no domingo, e eu precisaria fazer algumas coisas para ela, e ainda estar em horário récorde em seu trabalho, para a pegar. Mas com as injustiças da manhã, permiti focar em mim, ir ao show e rever amigos. Quem me conhece sabe que, naquela época, não era algo fácil ou simples para mim, naquela ocasião.

Após passar por Caruaru, Oiapoque, Bósnia e Zanzibar, finalmente cheguei em Itaquera, com o show já começado. Eu via sempre o Zé, mas nem me lembrava mais da última vez que tinha ouvisto (sic) o Sá & Guarabira. As canções me lembraram dos tempos em que eu aprendia a tocar violão, e que o conceito de liberdade era bem mais simples.

"Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada
Que você pode usar do jeito que quiser..." 
 

Catarse, eu sei. Mas cantei e berrei como nos anos 70. Um contraste estranho, eu acabara de deixar minha ex em meios pretensamente "fashion" de São Paulo, e me vestia como tal. E lá estava eu, de pé, no meio do público médio de Itaquera (sem preconceitos, mas a diferença de estilo e cores era evidente), recuperando em canções o pouco de dignidade que me restava.

O curioso no episódio é que cheguei tarde, e me postei ali perto do palco, na multidão. Perto de mim, na outra ponta, vi depois, estava o Tavito, da Rua Ramalhete, coautor de "Casa No Campo", outro que estava lá em BH nos anos 80, época em que eu vivia na, de e para a música. Também de pé, também em catarse. Show terminando, e acontece algo mágico, ali entre aquelas árvores todas, que transformou NOVAMENTE meu DIA e minha vida. O trio começará a tocar a última canção, acordes belos e conhecidos, o Zé vai para o microfone, e oferece o poutpourri que seguirá, em particular, a seus *amigos* Lázaro e Tavito, ali perto do palco. E o trio começa a tocar, como de hábito, Casa no Campo, Caçador de Mim e Espanhola. (Tavito é coautor de Casa no Campo)

Olhei as árvores em volta, quase uma casa no campo. Olhei as pessoas cantando em coro. O autor daquela música de minha infância não sabia, talvez tenha sido apenas cortês com os rostos conhecidos solitários que precisaram passar uma data de família ali. Mas ele acabara de me lembrar que eu era um amigo da casa do campo, e se isso é possível ao ex garoto de subúrbio de BH, isso significava que meus sonhos podiam e deviam ser realizados, por mais distantes que um dia pareçam. O que me me fez relembrar, naquela tarde, do que o mesmo Zé havia me dito anos antes no Esfiha Imigrantes, sobre nada nem ninguém roubar meus talentos, especialmente por comparação com sua própria mediocridade. E não é que eu, dentro da baleia, estava permitindo isso justamente pelo coração?

"Não há nada que a gente não possa fazer, quando temos amigos
Eu tenho amigos. Poucos. Escolhidos. 
Importante escolher bem os amigos.
Para vivê-los plenamente como a gente gosta"
(Zé Rodrix, com Tavito, na introdução de "Casa No Campo")

Não há como descrever aqui o estado alterado de consciência, quase um satori, ágape, samadhi (risos) que adentrei durante AQUELA execução em particular de Casa No Campo, entre o verde do parque, sol de fim de tarde deixando tudo mais dourado ainda, as pessoas cantando em coro comigo e Tavito e, de algum modo, sentindo-se tão amigas também. EU PODIA. A criança de BH um dia pensou "gostaria de ser como um dos queridos amigos do do autor desta música", e receber este abraço musical entre uma paisagem verde e sorrisos, mais de 30 anos depois, me pareceu o próprio universo ou G.A.D.U. me relembrando, como o Zé sempre falava, que eu DEVERIA assumir a DIREÇÃO de minha vida e CONSTRUIR o futuro que eu deveria ter.

"Primo, não se esqueça: Os deuses das coincidências prestam muita atenção em quem presta atenção neles" (Zé Rodrix)

Em vez de retornar a ex, já saí dali de Itaquera direto para a casa de minha supervisora clínica junguiana, a @LiegeCampos, e comecei a trabalhar com ela as questões de dignidade e SEPARAÇÂO (poucos meses depois) que me levaram ao momento atual. ATUEI, e por isso, estou aqui. E o papel que eu começava a desempenhar, Zé Rodrix também já havia descrito bem:

Dentro da baleia mora mestre Jonas
desde que completou a maioridade
a baleia é sua casa, sua cidade
dentro dela guarda suas gravatas, seus ternos de linho

Dentro da baleia a vida é tão mais fácil
nada incomoda o silêncio e a paz de Jonas
quando o tempo é mal, a tempestade fica de fora
a baleia é mais segura que um grande navio

e ele diz que se chama Jonas
e ele diz que é um santo homem
e ele diz que mora dentro da baleia por vontade própria
e ele diz que está comprometido
e ele diz que assinou papel
que vai mantê-lo preso na baleia até o fim da vida
até o fim da vida, até subir pro céu!

(Zé Rodrix, Mestre Jonas)

Entendi a lição daquela tarde, primo, e mais uma vez, você mudou minha vida. Saí da baleia, e assumi o PODER de minha vontade. Em poucos meses, tomei outros rumos, e o fim (fim?) dessa história conto melhor no meu relato "NAS ONDAS DE IEMANJÁ".

Mas o importante mesmo, para mim, foi sua metáfora depois do show:

"Primo, o mundo é um grande cinema Multiplex, com INFINITAS salas, cadeiras confortáveis, outras nem tanto. A maioria fica estática assistindo filmes péssimos, comendo pipoca, dramalhões, casamentos, documentários sobre escritórios, só porque a cadeira é confortável. Não mudam de sala! Outros viciam em um estilo de filme e o repetem, em situações bem desconfáveis. O que se esquecem é que TODOS, TODOS, a qualquer momento, podemos nos levantar, mudar de cadeira e assistirmos - ou mesmo dirigirmos - coisa bem melhor." (Zé Rodrix, sobre escolhas, cocriação e multiverso)

 

LEI ROUANET
Outro dia, no Twitter, sem dar crédito, lancei algumas das críticas do primo à Lei Rouanet. Perdi seguidores, especialmente entre os amigos músicos. Preferi não dizer o autor, Zé Rodrix, porque os mesmos que vão a Brasília acusar - com razão - políticos - de corrupção e uso de passagens não raro são os mesmos que sacam o dinheiro do contribuinte para seus shows e filmes se tornarem uma espécie de estatal.

"Lei Rouanet é hipocrisia. Não acredito que o dinheiro de TODOS deva servir para patrocinar a aventura pessoal de ALGUNS, e, quando isto se configura, eu saio fora. Investimento deve ser feito com dinheiro real que não prejudique o essencial do país. Impostos devem ter fim específico, e os sustento da arte não é, a mer ver, uma destas essencialidades. Sempre fui um artista que não se privilegiou de nenhum tipo de ligação com estados e governos, em nome de minha própria LIBERDADE. Assim sendo, há que haver em mim algum respeito pelas coisas em que eu acredito. Se entrar nisto, estarei negando tudo que é a minha maneira de ser, pensar e agir. No Brasil de hoje, precisamos de investidores conscientes, e não, segundo minha maneira de ver a realidade, de utilizar de maneira equivocada o dinheiro público."

Fazer discurso é fácil, mas Zé foi o único que recusou / devolveu o dinheiro estatal (meu dinheiro, seu dinheiro), abandonando a produção milionária (às nossas custas) do espetáculo Rei Lagarto.
http://brunogarschagen.com/2007/08/29/impressionante-musico-diz-xo-satanas-para-projeto-com-dinheiro-publico/

 

O PRIMO QUE NÃO CHEGOU A SER IRMÃO
Eu e o Zé tinhamos um certo amor de irmão - ou melhor, de primo - e um respeito mútuo desde que nos conhecemos. Alguém tão eclético, genial e rabugento quanto ele, bem mais experiente do que eu, dando toques precisos, e também convivendo diarimente por anos nos grupos http://groups.yahoo.com/group/hecate e meses no meu http://groups.yahoo.com/group/synth-br, foi, não tenho a menor dúvida, um presente do Grande Arquiteto do Universo para mim.

Pegando meu carro (deixado na UNIFai) para ir ao velório na Grande Loja da Liberdade, um ex-colega da Filosofia me encontrou na rua, e, não sei como, já sabia que eu era primo do Zé. Me deu os pêsames, e cumprimentou-me com os sinais de reconhecimento entre maçons. Disse para ele que eu não era, ele se surpreendeu. Já estou acostumado: minha forma particular de viver a ética e fraternidade já me pregou essa peça várias vezes nos 44 anos, sempre há irmão que, ao ver alguns de meus atos ou palavras, me confundem. Fiquei sem saber responder porque ainda eu não seria, e me lembrei que quem poderia dizer isso era justamente o elo faltante na corrente, que eu iria visitar naquele momento. Sinais. Respondi apenas que "não é o meu caminho", mas notei que isso só fazia sentido a 14 anos atrás, onde eu buscava mais o racional, hoje já satisfeito em sua gula, do que a interiorização, o simbólico e o ritual.

Tinhamos também, eu e o Zé, um projeto/esboço de livro de pesquisa histórica sobre o mito Paulo de Tarso ("alguém um dia tem que falar a verdade sobre esse sujeitinho", dizia Zé para mim). mas este terei que escrever só. O que não é cômodo, pois a popularidade do Zé era meu consolo diante das polêmicas que o livro certamente provocará. Mas o primo deixou sua contribuição nesse tema ao traduzir AS CHAVES DE HIRAM, e é hora de eu receber o bastão e fazer a minha parte, já que - o Zé me fez ver - nossos planos mútuos de deixar o planeta aos 86 anos de idade (eu) ou 90 (ele) podem sofrer bruscas interrupções.

 

CASA NO CAMPUS 

30 anos depois, descobri que a casa no campo do primo era bastante urbana. Ficava logo ali atrás da Dr. Arnaldo e Av. Sumaré, pertinho da MTV, no lado oposto do Campus da PUC. Rua tranquila no meio do caos urbano, mas não fazia diferença: tudo o que Zé compartilhou conosco, da Casa no Campo e Mestre Jonas ao Boa Noite Cinderela, dos sintetizadores vanguardistas a la Yes no disco do Secos & Molhados (seu nome foi omitido do disco pela "egotrip de João Ricardo", expressão do Zé) à volta do Trio, passando pelo Joelho de Porco - e, principalmente, das lições de vida, fazia com que aquele cenário descrito pela canção com o parceiro Tavito nos alcançasse em qualquer cidade. Quantos que jamais o conheceram não mudaram suas vidas, embalados pela música, apenas para tentar ter um canto tranquilo e simples, com qualidade de vida, entre amigos e um filho de cuca legal?

LIVROS QUE NOS ESCREVEM

Lembro, por fim, da @CamillaAvella (foto) dizendo pro Zé, há alguns meses atrás, no Esfiha Imigrantes, após mais um curso nosso: "Zé, fala para o Lázaro escrever um livro" (Sobre os temas do curso). E o Zé, sempre sábio: "Mas Cammy, o primo já está escrevendo seu livro há tempos, em cada dia que viveu, em cada aula como essa que deu. Eu também escrevi meus livros assim, vivendo, durante 60 anos. Um dia apenas as idéias e personagens me possuiriam, e tive que colocá-los no papel. Essa é a parte menor de todo o processo. Um bom escritor se faz muito antes de pensar em pegar no papel".

Espero que tenha razão, Zé. Tenho tentado "escrever" meu livro, bem. Vou recolher as lições dessa sua passagem, as setas do caminho de volta que deixou por aqui, e traçar com carinho meus passos para os anos que vem a seguir.

 

PREMONIÇÕES, SINAIS

  • 7:00 da manhã, acordo, a porta do guarda-roupas está aberta. Dentro, vejo um crânio, na parte superior de meus livros de filosofia. Tento ajustar o olhar, e ele se torna uma cabeça dourada de Nefertiti. E em seguida, a caveira morta -  que também é uma cabeça dourada viva - é fechada pela porta de madeira do guardaroupa, como se fosse um caixão. Comento a visão, acordo de vez. As 8:00, o Frank me dá a notícia.  Só mais tarde, depois da primeira versão desse texto já escrita e distribuída, é que a @CamillaAvella me relembrou da visão profética da Nefertiti e caveira pela manhã.
  • Anteontem, quarta, rearrumando meus livros, peguei a Trilogia do Templo, do Zé Rodrix. Estive em todos os lançamentos e leituras ao vivo, mas não a li toda. Peguei e, profético, lembrei: TENHO QUE LER.
  • Anteontem, quarta, conversando na antesala da clínica em que atendo, relembrei com um paciente de outro psicanalista boa parte dessas histórias que contei, sobre o Zé. Eu pressentia.
  • Ontem, não sabemos porquê, a @CamillaAvella estava com a câmera filmadora na mão, olhando e editando, após meses e meses sem tocar, as várias fitas de meu último curso de Tarot, Cabala e Sonhos com o @ZeRRodrix. Naquele mesmo instante da noite, o primo estava prestes a passar pela Grande Iniciação.
  • Há uma semana, tive um sonho de morte, de se dissolver no todo. Conversei com algumas pessoas. Camilla, preocupada com possíveis riscos à minha saúde ou vida (ela conhece meus sonhos, quando avisam de algo, sabia porque deveria temer), perguntou se não poderia ser morte de algo simbólico e psíquico meu, uma transição. Repondi na quarta, enfático, que NÃO. Atendo 30 pacientes por semana, lido com simbolismo, transformação e Jung, e infelizmente, lembrei quase ríspido a ela, aquele era um sonho de MORTE. Camilla chorou bastante, na segunda, quarta e quinta, por esse sonho. Por isso choramos menos no velório. Isso tudo me deixou bastante tranquilo, pois algo que tenha tantos sinais, só pode ser uma passagem muito bem planejado, conduzido e inevitável. Uma conquista, talvez.

"Cada um acredita naquilo que quer, pode e consegue" (ZRx)

  • Ontem, indo para a clínica, e lembrando de um paciente que agora está retomando antigas amizades, me lembrei que faz tempo que não vejo o Zé (não realizei meu curso de Maio no IPPB, onde ele CERTAMENTE estaria presente, como em todo ano), e que não posso deixar as curvas do passado perderem amizades preciosas como as do Zé Rodrix e as do Fábio "Bi" Ramos, guitarrista de minha antiga banda. Decidi ONTEM, quinta, ligar para o Zé e para o Bi. Porque sempre decidimos que "vamos ligar amanhã" nessas horas, e não "agora"? Era o convite do Self para que eu me despedisse... e eu não o escutei. Menos de 12 horas depois do aviso, era tarde demais para ligar via celular.

 

AMANHÃ PODE SER TARDE DEMAIS. LITERAMENTE.

De todas essas premonições, ficou a lição de que um dia pode ser tarde demais quando se trata de reencontrar as pessoas que amamos, que nos amam ou mesmo que nos amaram, seja lá o que for que tenha nos afatado por meses e anos.  Conversando com o Cronos durante o velório (Marcelo Brasil, que junto comigo e Zé formavamos durante anos, dia a dia, um trio particularmente sarcástico e desconstrutor na antiga lista Hécate, que jamais será a mesma), riamos de um amigo que não quis vir ao enterro, porque recentemente teve um desentendimento com o Zé em algum email de internet. Mas, oras, se você o admirava, de algum modo, era essa a chance de encará-lo, ainda que simbolicamente, resgatar a boa lembrança, e enviar as mágoas, perecíveis, para a cremação.

Amanhã, aprendi a duras penas nessa quinta e sexta, pode ser - literalmente - tarde demais. Vou enfim ligar para o Bi e re-valorizar os amigos-irmãos, enquanto estão aqui. :'-)

Aprendi (quase) tudo que trago de ecletismo eficiente com meu primo Zé Rodrix, exemplos e sacadas. Felizmente, nem tudo, já que uma vez, brincando como sempre, ele disse lá na Synth-BR que "nesses 30 anos de estrada, conheci algumas mulheres tão estranhas que algumas até tinham p.." :-)
(Opa. Ecletismo, pra mim tem limites, sem esse seu jingle "de mulher pra mulher"!)
Procurarei guardar com carinho suas lições e piadas, e sempre que aplicável, eternizá-lo reproduzindo aquilo que minha competência permitir relembrar. Se depender de mim, sua orelha coçará muito aí em cima, e sua imortalidade está alcançada, pois jamais deixarei de lhe citar.

Siga em paz, Zé. Vem pra 'Akash' você também, vem. Você FEZ a diferença por aqui. Obrigado por tudo, de coração. Sua vida, se não foi comprida, foi bem cumprida. E dê um abraço em G.A.D.U.

 

"Quando o discípulo está pronto, o mestre DESaparece" (Zé Rodrix)
(g.a.r.g.a.l.h.a.d.a.s)

 

Enquanto o mundo de Maya perde a forma
Zé se reencontra, em si
E é assim que, doravante
Ele sempre há de seguir!

 

(TUM-TUM, TUM-TUM, som de batidas do coração, ouça, sua vida ainda pulsa além do "último" acorde)

 

Lázaro Freire
Tecladista, Psicanalista Transpessoal, Filósofo, Escritor, Voador, Engenheiro de Software, Herege, Cri-Crítico, ..., ..., generalista e etc. Eterno amigo-primo-discípulo-fã do Mestre Zé.
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Lázaro Freire
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