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Emoções e Tristezas Natalinas (Eduardo Mascarenhas)
Publicado em: 04 de dezembro de 2009, 17:52:36  -  Lido 4612 vez(es)



EMOÇÕES E TRISTEZAS NATALINAS

- O Natal desperta emoções complexas
- Evoca a infância perdida
- Cria uma sensação de perda de vínculos com o mundo

Sempre fiquei impressionado com a tristeza ou mesmo com a ameaça de tristeza que, pela época do Natal, se abatem sobre as pessoas. Caso eu quisesse exagerar e ser cruel, poderia até dizer que o Natal é uma época de crianças alegres cercadas por adultos tristes. Evidentemente, dizer isso é excessivo. Na verdade, as emoções despertadas pelo Natal são bastante complexas. Todavia, estou certo de que há pelo menos uma ponta de tristeza em quase todo mundo.

A alegria das crianças é motivada por razões óbvias. O Natal é época de presentes e acima de tudo de PRESENÇA de pais muito frequentemente ausentes.

Também é de fácil entendimento o lado alegre que desponta nos adultos. O Natal constitui uma oportunidade de reencontros, anistias e perdões. A esponja da solidariedade lava mágoas e rancores acumulados e encardidos. Trata-se, no mínimo, de uma trégua, de um cessar-fogo, de um armistício e de uma esperança de recomeço. Tudo isso enternece e comove corações.

Ora, se o Natal é exatamente tudo isso, de onde decorre a tristeza que ele acarreta? Aliás, não é só o Natal que provoca tristeza; ocasiões a princípio alegres como a Passagem de Ano e o Carnaval também trazem tristeza. No entanto, para um olhar mais fino e agudo, há matizes distintos nessas tristezas. Qual é então o matiz específico das tristezas natalinas?

Em primeiro lugar, salta aos olhos que, diferentemente da Passagem de Ano e Carnaval, o Natal é em essência uma festa da família. Se a Passagem de Ano ainda é uma festa híbrida, mistura de Natal com Carnaval, este, por sua vez, já é quase o oposto do Natal. No Natal se comemoram o amor e a família, ao passo que no Carnaval se festejam a disponibilidade e a sensualidade; ou melhor, festeja-se a sensualidade disponível. Estamos diante quase do oposto dos vínculos que soldam a família.

A primeira fonte do banzo natalino é o fato de o Natal evocar a lembrança daquela infância querida que os anos não trazem mais. Mas não é só isso. O Natal evoca também a infância que se quis ter e que não se teve, as dores de um passado familiar que nem sempre foi doce.

Como se não bastasse, o Natal evoca ainda a diferença entre o amor e a família que se tem e a que se gostaria de ter. Nosso casamento e nosso relacionamento com os filhos e amigos serão tão bons quanto gostariamos que fossem? Então ficamos tristes e saudosos de uma vida de afeição e de amor com que sonhamos e que não conseguimos realizar. Aquilo que se deixou de ser sem nunca ter sido... E haja fossa!

Podemos ainda detectar no Natal outro fator entristecedor, fator a que se presta pouca atenção, mas que é muito importante. Trata-se do seguinte: por acentuar poderosamente o vínculo familiar, o Natal produz na mente um duplo efeito.

Em primeiro lugar, produz uma sensação de perda dos vínculos mundanos. De uma hora para outra, passamos a ter a s ensação de que nossa vida ficou restrita à vida familiar. É como se o mundo tivesse morrido e ficassemos reduzidos à família. Isso representa uma perda para nossa parte adulta, além de provocar uma sensação de claustrofobia, de estarmos confinados em espaços pequenos.

Em segundo lugar, o Natal, também por reforçar o sentido da família, tende a desqualificar a sexualidade, pois esta, ao produzir permanentemente tentações, tende a desestabilizar os casais. Assim, o Natal é uma festa antiafrodisíaca, quase um breve contra a luxúria. Essa sensação de estar meio dessexualizado angustia o lado adulto, provocando uma verdadeira hipocondria sexual: "Será que perdi o sexo para sempre?"

A claustrofobia e a hipocondria natalinas também colaboram para a tristeza específica do Natal.

Todas essas emoções se dão com pessoas que tem família, que não perderam filhos e amores. Imagine-se a situação daquelas que já sofreram essas perdas!


Por Eduardo Marcarenhas, psicanalista, em "Emoções no Divã"


(*) Eduardo Mascarenhas (1942-1997) foi um grande popularizador da psicanálise no Brasil. O excelente texto abaixo faz parte de seu livro "Emoções no Divã". Bastante criticado pelo meio psicanalítico ortodoxo, na época bastante elitista. Entretanto, apesar de seu texto ser fácil e popular, está longe de ser raso. Mascarenhas participou de diversos programas de TV nos anos 80, foi casado com a atriz Cristiane Torlone, deixou dois filhos, e era deputado federal quando faleceu, precocemente, de câncer.


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