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>> Colunistas > Lázaro Freire Depressão bipolar: Lá em casa tem um poço, mas a água é muito limpa! (Há Tempos, Renato Russo) Publicado em: 03 de fevereiro de 2010, 14:20:39 - Lido 10352 vez(es) > Perguntaram em http://formspring.me/LazaroFreire
Mas há duas leituras possíveis. Dizem que havia um poço na casa, e o Renato, nas depressões movidas a cocaina, pensava sem se jogar lá. Mas achava que ele era imundo demais para a água límpida que havia ali, e que sua morte a turvaria. Mas convenhamos, além do FATO, há metáforas psicanalíticas profundas nisso. Façamos uma leitura mais ANALÍTICA, sem julgarmos a "cor" da água real ou metafórica do cantor: É uma obra que começa com "parece cocaina, mas é só tristeza", a melhor metáfora que já vi para a bipolaridade: Uma profunda tristeza gerando a máscara da mania e euforia. Ao pé da letra, podemos entender a depressão que vem da cocaina. Mas psicologicamente, ele diz muito mais. Diz que sua euforia não é a cocaina, mas a compensação de seu estado depressivo. Em outros termos, não é que a cocaina gere a euforia; ao contrário, a necessidade maníaca de compensar a depressão é que o leva à cocaina. A música segue questionando os valores. Há tempos são os jovens que adoecem. Mas ele afirma seus valores, disciplina, compaixão, bondade. E demonstra ter dificuldade funcional em viver a partir deles. A letra é um requiém a uma vida focada em valores que ele não conseguiu administrar dentro de seu meio, afetividade, drogas, sucesso e condições. Não é coincidência ser, assumidamente, um namoro com o suicídio. Nesse contexto, o que o levaria ao suicído "no poço" é, psicanaliticamente, a própria identificação com um poço interior. Note que não se trata de alguém tentando parecer bonzinho com uma sombra turva no interior. É justamente o contrário, alguém se desnudando em público, confessando suas fraquezas, pensando em desistir, porque não consegue administrar uas águas mais límpidas com a vida que traçou para si. Nesse sentido, a mensagem metafórica do poço é clara: Lá em casa (dentro dele), há um poço. Mas ele sabe que a água (emocional, valores) do poço é muito límpa. Por isso ele não se suicida. Não porque a água real ficará suja, mas porque ele, por mais que sofra, por mais que lhe acusem ou SE auto-acuse pela profundidade do poço de suas questões, o poeta tem ORGULHO de seus valores, da água límpida e profunda que pode lhe matar. Assim como não fazia sentido para o Renato Russo se jogar naquela cistena de água límpida do fundo do quintal, para não contaminá-la com a "sua sujeira", do mesmo modo ele desiste simbolicamente da idéia de se matar, já que ele tem orgulho de ser quem é, e inconscientemente percebe que não são seus valores que estão tão errados, mas sim a sua socialização. Daí a necessidade da euforia (cocaina) para encobrir a tristeza bipolar de existir. Grande poeta. Grande exemplo de como a sombra psíquica pode, como dizia Jung, ser sublimada na expressão artística e poética. Registre-se que Renato Russo morreu de AIDS, uma doença que hoje não o mataria mais - e não de depressão. Ao contrário, a canalização poética da dor de sua depressão ajudou a dar oriente senso crítico para toda uma geração. Lázaro Freire -- Lázaro Freire lazarofreire@voadores.com.br
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